O Projeto de Lei nº 2.338/23, que estabelece o Marco Legal da Inteligência Artificial no Brasil, propõe mudanças significativas na interseção entre IA e direitos autorais. Um dos pontos centrais trata da mineração de dados e textos – processo fundamental para o treinamento de modelos de IA.
O texto estabelece que o uso automatizado de obras protegidas por instituições científicas, museus, arquivos, bibliotecas e organizações jornalísticas não configura violação de direitos autorais, desde que observadas as seguintes condições:
(i) o acesso tenha se dado de forma lícita;
(ii) não tenha fins comerciais;
(iii) a utilização seja feita na medida necessária para o objetivo a ser alcançado, sem prejudicar os interesses econômicos dos titulares e sem concorrer com a exploração normal das obras e conteúdos protegidos.
Além disso, essas instituições não devem ser vinculadas, coligadas ou controladas por entidade com fins lucrativos que forneçam sistemas de IA.
Também fica autorizada a mineração de dados, por entidades públicas ou privadas, no contexto de sistemas de IA, para combate a ilícitos civis e criminais contra direitos de autor e conexos.
O que muda, na prática, é que diferente da legislação atual, que exige autorização expressa dos autores para qualquer reprodução de obra (art. 29 da Lei 9.610/98), o PL flexibiliza esse requisito em determinadas hipóteses, aproximando-se de modelos adotados em outros países.
No entanto, ao mesmo tempo, impõe barreiras rigorosas ao uso comercial, exigindo transparência na indicação das obras utilizadas e remuneração obrigatória aos titulares. Enquanto países como os da União Europeia adotam um modelo de opt-out (onde o titular deve manifestar oposição expressa), o Brasil caminha para um regime mais restritivo, no qual a autorização e compensação aos titulares de direitos autorais passam a ser a regra.
Diante da necessidade de equilibrar inovação e proteção aos titulares de direitos autorais, o PL 2.338/23 tem potencial para moldar o futuro do setor no país. A expectativa é que as discussões na Câmara dos Deputados aprimorem o texto, garantindo segurança jurídica sem comprometer o avanço tecnológico e a competitividade brasileira no cenário global.
Alessandra Gotti
apg@hesketh.com.br