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O desafio de acelerar garantindo direitos – “Reforma é positiva, mas insuficiente diante do tamanho do problema”

Identifica-se um marco do despertar do povo brasileiro em relação à possibilidade de recorrer à Justiça no episódio do Plano Collor, em 1990

A nossa Súmula Vinculante não resolve o problema como deveria, e um dos maiores culpados, nesse caso, são os próprios Poderes Públicos

Tito Hesketh dedicou mais de duas décadas de sua vida à magistratura. Atuou como juiz de diversas comarcas do Estado de São Paulo e foi titular da 5ª Vara Cível da capital paulista. Foi também juiz do Primeiro Tribunal de Alçada Civil e ocupou uma cadeira no Tribunal de Justiça de São Paulo. Desembargador aposentado, atualmente advoga no escritório Rubens Naves – Santos Jr – Hesketh, do qual é um dos sócios titulares.

Nesta entrevista, Hesketh esclarece a importância do Código de Processo Civil e avalia inovações e possíveis impactos do novo Código, que tramita no Congresso Nacional.

eR – Qual a importância do Código de Processo Civil para a sociedade brasileira?
TH – O processo civil não pode ser visto como um conjunto de regrinhas. Por exemplo: “Você tem o prazo “tal” para apresentar isso pro juiz”, como se fosse uma coisa assim, menor. É um instrumento de cidadania. Antigamente, com os reis absolutos, você era julgado sem direito a uma defesa razoável e podia ser decapitado ou ir para a fogueira. Na Inglaterra do século XIX havia o direito de prisão por dívida. O credor simplesmente relatava à autoridade – que não era nem um o juiz – que fulano de tal lhe devia determinada quantia e a autoridade lhe dava uma autorização para colocar o pretenso devedor na cadeia. Faziam-se coisas absurdas, em séculos passados, inclusive, como é historicamente notório, na Inquisição. Modernamente, o Código do Processo Civil e o Código do Processo Penal foram criados como instrumentos que estabelecem direitos e obrigações que todos têm de obedecer sob a presidência de um juiz. Os códigos garantem ampla defesa ao réu, garantem às duas partes o exercício do contraditório. O juiz não pode fazer nada contra você sem que antes as duas partes discutam e apresentem seus argumentos e provas. Os juízes têm independência. São regras para garantir a segurança jurídica e o Estado de Direito. E o código de processo civil está sob a proteção da própria Constituição. Os princípios constitucionais estão lá. Todos são iguais perante a lei, todos têm direito a ampla defesa, ao contraditório, ao chamado devido processo legal – o due process of law, como se diz no direito norte-americano –, todos têm direito a ser julgados pelo juiz competente etc. O artigo 1º do projeto do novo Código do Processo Civil confirma tudo isso dizendo: “todos os preceitos deste Código serão ordenados, interpretados e disciplinados conforme os valores maiores da nossa Constituição, cujos princípios se aplicam a este Código de Processo Civil”.

[em] Revista – Como o senhor sintetizaria o espírito e os objetivos centrais da reforma do CPC que está sendo proposta?
Tito Hesketh – O objetivo da reforma é aperfeiçoar o atual Código do Processo Civil (CPC) criando novas fórmulas e mecanismos ou suprimindo fórmulas e mecanismos que embaraçam o andamento do processo, gerando demora excessiva. E não é só o Processo Civil. O Processo Penal também está sendo reformado em razão do mesmo problema, mas envolvendo uma angústia maior, já que a pessoa que está acusada de um crime tem, frequentemente, a sua liberdade em jogo. E os processos levam anos. Se você é inocente, tem de esperar muito tempo para ver reconhecida a sua inocência. Até lá, muitos caem em depressão, muitas vezes são discriminados e veem a própria família passar por situações de discriminação e vergonha. E também sob o ponto de vista da sociedade, há o interesse de que os julgamos não tardem, para o reconhecimento da inocência ou para que o culpado seja condenado, cumpra a pena – seja prisão, multa ou penas alternativas.

eR – E como tem sido a evolução do CPC no Brasil?
TH – O primeiro, 1939, foi o que eu aprendi na Faculdade de Direito, na década de 1950, e, como Juiz, apliquei durante treze anos. Depois veio o Código de 1973, elaborado pelo grande jurista Alfredo Buzaid, catedrático em Processo Civil. O chamado “Projeto Buzaid” foi revisto por uma comissão de alto nível, de notáveis juristas, como José Frederico Marques, entre outros. Dessa forma, institui-se um Código, em 1973, em muitos aspectos, melhor que o anterior, mas, ainda muito cheio de tecnicismos, não resolvia alguns problemas que então já se apresentavam e que foram se tornando gigantescos quanto à demora dos processos. Ao longo das últimas duas décadas, o Poder Judiciário, que já era lento, transformou-se num aparelhamento praticamente emperrado, em situação de “insolvência” por não ter condições de dar conta dos milhões de novos processos nem de concluir os milhões acumulados. Resultado de um acelerado crescimento populacional e econômico, do aumento da complexidade social, das demandas sociais e da consciência de cidadania, fenômenos que o Judiciário, de maneira geral, não acompanhou. É nesse que contexto que, agora, o projeto para um novo Código de Processo Civil, de Luiz Fux, ministro do Superior Tribunal de Justiça, recentemente indicado para uma vaga no Supremo Tribunal Federal, está sendo avaliado pelo Congresso Nacional.

eR – O processo de democratização deve ter também impulsionado o aumento das demandas por justiça, não?
TH – Sem dúvida! Há, inclusive, quem identifique um marco do despertar do povo brasileiro em relação à possibilidade de recorrer à Justiça no episódio do Plano Collor, em 1990. Quando, em março daquele ano, com o intuito de combater a inflação, o governo federal promoveu um gigantesco confisco da poupança, do dinheiro que as pessoas tinham no banco. Diante da impossibilidade de ter acesso ao seu próprio dinheiro, a recursos de que precisavam e com os quais contavam, pela primeira vez na história do Brasil milhões de cidadãos recorreram à Justiça. E os advogados entraram com mandados de segurança ou outras ações contra o Banco Central para conseguir a liberação do dinheiro.

eR – A resposta judicial foi rápida?
TH – Bastante. Em dois, três meses, os juízes, em geram, davam a liminar. Mas, a partir de então, o país cresceu muito, as demandas se multiplicaram ainda mais e o Poder Judiciário faliu. A palavra não é menos que essa: o Judiciário faliu. Aliás, uma das dificuldades para a obtenção de resultados práticos com a atual reforma do CPC é exatamente essa falência, devido ao enorme passivo de processos acumulados nas prateleiras. Contam-se na casa dos milhões os processos nas mãos do Judiciário, aguardando as decisões dos juízes e dos Tribunais, enquanto, todos os dias, milhares de novos processos entram no fila.

eR – E esse passivo também é grande nas altas cortes, não é?
TH – Também. O acúmulo é muito grande até no Supremo Tribunal Federal. Nos Estados Unidos, por exemplo, só chegam à Suprema Corte alguns casos, realmente muito especiais. Até os advogados respeitam essa limitação, não ficam entrando no Supremo com qualquer bobagem, como fazemos aqui, onde impera a cultura de ganhar tempo, mesmo quando se sabe que os tribunais superiores não vão acolher a demanda. Nesse contexto, o advogado acaba tendo de recorrer a todas as instâncias possíveis, até porque, se não recorre, é visto pelo cliente como negligente. Nos EUA, se você entra com um recurso para alguma Corte Superior, ou na própria Suprema Corte, pode acontecer de o juiz da corte convocar o advogado e perguntar o porquê de ele estar fazendo o recurso. “Mas você trouxe alguma prova nova, algum novo argumento? Esse argumento já foi examinado, o senhor tem algo novo e relevante a apresentar?” Se o magistrado conclui que o recurso é descabido, protelatório, sem nenhuma justificativa, indefere o recurso, e determina uma multa de valor elevado a ser paga pelo cliente do advogado. Assim o Judiciário americano impede o acesso abusivo aos tribunais superiores. Aqui, praticamente, vale tudo. Recorre-se sempre, sem parar. E as penalidades, pelos recursos protelatórios e pela chamada litigância de má-fé, nem sempre são aplicadas, ou são de valores ínfimos.

eR – Como essa diferença entre normas e “culturas” se reflete nos números, na quantidade de processos que chegam ao Supremo no EUA e no Brasil?
TH – Na Suprema Corte dos EUA, os nove ministros julgam, salvo engano meu, algo como 100 processos por ano, porque só as causas realmente importantes a Suprema Corte aceita para julgar. Seria o caso aqui do nosso STF julgar aquele caso da anencefalia – dos fetos sem cérebro na barriga da mãe – se o aborto deve ou não ser permitido? E a questão da pesquisa com células-tronco? É claro que sim. Esses são casos para o Supremo. Mas aqui os ministros têm de rever, por exemplo, as penas dos presos. O réu é condenado, por exemplo, em primeira instância, a 20 anos de prisão, o tribunal de justiça nega a apelação, vai para o Superior Tribunal de Justiça, que reduz a pena de 20 para 15, mas o condenado acha que pode conseguir outra redução e então, ainda recorre ao STF, que é uma corte constitucional, perde seu tempo com questões desse tipo, porque são sempre consideradas como “constitucionais” tendo em vista regras que realmente existem na Constituição quanto ao processo penal, dosagem e progressão das penas. Por causa disso, o nosso Supremo tem hoje, se eu não me engano, cerca de 100 mil recursos distribuídos por seus 11 ministros, o que dá uns 10 mil processos para cada ministro. Um absurdo! E todo dia mais algumas dezenas chegam para cada um. É um crescimento que não acompanha a desova. Quanto tempo levaria só para liquidar o atual passivo, os processos que estão na fila de espera? Vários anos, certamente.

eR – Nos outros tribunais brasileiros o passivo é maior?
TH – Só no estado de São Paulo há, se eu não me engano, cerca de 5 milhões de processos, que nesse momento estão nas mãos do Tribunal de Justiça, dos juízes e nos juizados de pequenas causas. Não temos juízes suficientes para dar conta desse trabalho. É preciso aumentar o número de juízes, mas isso não basta. Temos de mudar leis, Códigos e, sobretudo, a cultura.

eR – O que tem sido feito, em termos de mudanças legais, para superar o acúmulo de processos?
TH – Começou-se com medidas paliativas. Nos últimos anos, foram feitas diversas alterações pontuais do Código de Processo Civil. E agora está sendo proposta uma reformulação de todo o Código, com o “Projeto Luiz Fux”, que passou pela Câmara e está no Senado, que, em muitos aspectos, mantém o texto hoje em vigor, compila várias dessas alterações pontuais recentes e promove uma melhor organização geral do CPC Há avanços em relação a certos procedimentos, sim, como alguns tipos de recursos, que podem torná-los menos burocratizados e mais rápidos. Mas não vejo nada tão substancial que possa produzir um grande impacto em termos de maior celeridade dos processos em geral. A reforma é positiva, mas a considero insuficiente diante do tamanho do problema. Posso até imaginar que alterações mais drásticas não estão no Projeto de Lei do ministro Fux, daquelas de “cortar na carne” muitas partes da lei processual, sob o temor de virem a ser consideradas inconstitucionais perante as diversas regras e princípios estipulados na Constituição para o processo civil. Seja como for, estou pessimista em relação a uma eficácia muito grande da reforma, quanto à celeridade dos processos.

eR – Que tipo de avanço pode ser considerado mais impactante?
TH – Entre outras coisas, foi criada, mesmo antes do Projeto FUX, a chamada “Súmula Vinculante”. Os tribunais superiores já têm, há anos, editado súmulas de sua jurisprudência predominante; mas os conceitos dessa jurisprudência sumulada não eram obrigatórias, vinculantes, podendo os Juízes e Tribunais julgar casos de maneira diferente. Já a Súmula Vinculante é diferente. Depois que uma determinada matéria de direito já foi decidida em muitos casos iguais pelo STF, edita-se uma súmula no Supremo que diz, por exemplo, que “toda pessoa em tal situação tem direito a isso ou aquilo nos termos do artigo tal da lei tal etc.” E, então, todos os juízes e tribunais do país, ao apreciarem casos análogos, estão “vinculados” àquela Súmula, têm de julgar na conformidade do entendimento que ela ditou. Em princípio, a idéia é boa, mas por si só não resolve o problema, porque provavelmente só num número restrito de assuntos a Súmula Vinculante será editada, especialmente em questões tributárias, por exemplo. Ademais, quando aplicadas as Súmulas Vinculantes, ou quando deixarem de ser aplicadas, estão previstos recursos e reclamações específicas (que poderão vir a ser milhares) que os advogados poderão utilizar, que impedirão a desejada celeridade dos processos e passarão também a sobrecarregar o Supremo. É sabido que os próprios Poderes Públicos são os maiores “culpados” pela sobrecarga de trabalho dos Juízes e Tribunais, porque a União sempre continuou e continua, por exemplo, exigindo o pagamento de alguns impostos que o Supremo já cansou de dizer que não são devidos. Na ausência de decretos do presidente da República ou do ministro da Fazenda, os procuradores da União, mesmo sabendo das decisões do STF e talvez por temerem punições administrativas, continuam defendendo a cobrança e entupindo os tribunais com recursos. Por essas e outras, há quem estime que 50% ou mais de todos os processos que, nesse momento, estão pendentes no Brasil são por causa desse tipo de “teimosia” da União Federal e dos estados e municípios. A Súmula Vinculante poderá terminar com esse problema, ou amenizá-lo; mas muitos outros assuntos, sem ela, continuarão abarrotando os tribunais.

eR – O ministro Cezar Peluso, atual presidente do STF, tem dado entrevistas sugerindo medidas mais radicais para reduzir as possibilidades de recursos…
TH – Pois é. Será que ele não conversou com o ministro Fux sobre isso ou conversou e o ministro Fux não concordou?

eR – O projeto do novo CPC dá mais ênfase aos processos de conciliação?
TH – Sim, exatamente. Ele cria as figuras de conciliadores e mediadores. Quando começa um processo, o juiz terá de marcar a audiência de conciliação, mas não terá de presidi-la ele próprio. Haverá conciliadores judiciais, nomeados para exercer essa função por períodos de dois anos. Hoje, mesmo não sendo obrigatório, esse tipo de mediação já vem sendo feita em alguns tribunais e parece que a conciliação ocorre em cerca de 20% dos casos. Quando isso acontece, é ótimo. É um processo a menos para congestionar a Justiça, além de poupar maiores conflitos e desgastes para as partes.

eR – Esse pode ser um bom meio para descongestionar a Justiça brasileira?
TH – É um avanço. Deve ser feito. Mas também não devemos nos iludir quanto a efeitos muito amplos e rápidos dessa nova forma de tentar a conciliação. Até todas as comarcas do Brasil tenham conciliadores, pode levar décadas. Hoje a Justiça paulista, por exemplo, não tem dinheiro nem para reformar o Fórum da Lapa. Nem para instalar novas Varas ou Cartórios. No estado mais rico do Brasil, muitos fóruns estão sucateados. Se você for visitar fóruns país afora, vai encontrar carências incríveis, às vezes falta até máquina de escrever quando todos já deveriam ter sido equipados e informatizados. O Tribunal de Justiça de São Paulo, que é o maior do Brasil, com centenas de desembargadores, por incrível que pareça, é um dos mais atrasados em termos de informatização. Falta verba… Isso, digo de novo, no Estado mais rico do país! Para o Poder Judiciário, nunca há verba suficiente.

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