Sem desconsiderar certo risco de “dirigismo”, não há dúvida de que a nova versão da lei amplia e diversifica acessos e critérios para obtenção de fomentos culturais
Após um longo período entre manifestações calorosas do setor cultural e discussões veementes no governo federal, o Projeto de Lei n° 6.722/2010, que propõe a substituição da Lei n° 8.313/91 – mais conhecida como Lei Rouanet –, finalmente entrou na pauta da Câmara dos Deputados em fevereiro, após o retorno do recesso parlamentar. Agora o projeto de lei está na Comissão de Educação e Cultura daquela Câmara, sob a relatoria da deputada Alice Portugal (PCdoB-BA).
Espera-se que o texto da nova lei seja aprovado até o segundo semestre deste ano. De toda forma, após a sanção presidencial, haverá ainda um prazo de transição de três meses para que as novas regras passem a valer para o mercado cultural.
Segundo o governo federal, a reformulação da “lei da cultura” deu-se especialmente em função da atual Lei Rouanet ser pouco democrática e bastante concentradora: atende a um número insuficiente de projetos, levando-se em conta os que são protocolados no Ministério da Cultura, e beneficia indiscutivelmente as atividades no eixo Rio-São Paulo.
De fato, os dados publicados pelo Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura, o SalicNet (http://sistemas.cultura.gov.br/salicnet/Salicnet/Salicnet.php), em relação aos últimos cinco anos evidenciam a concentração de recursos na Região Sudeste:
As alterações propostas pelo Projeto de Lei n° 6.722/2010 visam diversificar os mecanismos de financiamento de modo a acolher maior número e variedade de projetos culturais, os quais, por sua vez, deverão atingir e beneficiar um público cada vez mais amplo e representativo da população brasileira.
Nesse contexto, o texto da nova lei propõe uma mudança considerável na filosofia de incentivo à cultura no Brasil.Atualmente responsável pela grande maioria dos financiamentos a projetos culturais, a renúncia fiscal – adiantamento de patrocínio ou doação, mediante reembolso posterior na declaração do Imposto de Renda – continua existindo, porém com algumas variações em relação aos seus benefícios.
De igual modo, o Fundo de Investimento em Cultura e Arte (Ficart), por meio do qual o investidor se torna sócio do projeto cultural incentivado, fica mantido pelo projeto da nova Lei Rouanet, mas ganha maiores atrativos, viabilizando, assim, a sua concretização, o que não ocorre na vigência da lei atual.
Ainda entre os mecanismos de financiamento, uma novidade trazida pelo novo texto legal é o Vale-Cultura, que terá sua regulação por lei própria, também em tramitação no Congresso Nacional (PL n° 5798/09). Benefício mensal no valor de R$ 50 para compra de ingressos para exibições e espetáculos ou aquisição de livros, CDs e DVDs, o Vale-Cultura poderá, segundo o Ministério da Cultura, estender-se a 12 milhões de trabalhadores.
Todavia, o mecanismo central de fomento, incentivo e financiamento previsto no Projeto de Lei n°6.722/2010 é o Fundo Nacional de Cultura (FNC), que surge mais fortalecido, menos burocrático e visa criar uma alternativa à competição por patrocínios pautada pelos critérios e interesses da iniciativa privada ou de empresas públicas.
Segundo o projeto da nova “lei da cultura”, o FNC, cuja receita principal virá da Lei Orçamentária Anual, contará com, no mínimo, 40% do orçamento do Ministério da Cultura, e 80% dos recursos desse fundo serão destinados a proponentes não vinculados a copatrocinador incentivado ou a poder público.
Neste ano de transição, o FNC recebeu dotação orçamentária superior a R$ 800 milhões, montante que deverá ser distribuído entre os nove fundos setoriais – abrangendo desde as artes visuais até a literatura – criados pelo projeto da nova Lei Rouanet, com vistas a propiciar incentivo às diferentes áreas da produção cultural.
A grande novidade é que os projetos culturais receberão o financiamento do FNC por meio de bolsas e prêmios. Diretrizes, critérios e prioridades de fomento serão estabelecidos pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), órgão colegiado do Ministério da Cultura, cuja composição será nomeada por essainstituição e contará com representação tanto do governo federal quanto da sociedade civil.
Além disso, visando estimular a cooperação federativa, o Ministério da Cultura enviará ainda 30% dos recursos do FNC para fundos públicos de municípios, estados e do Distrito Federal, sendo que, desse valor total, serão destinados, ao menos, 10% para cada região do país. É uma forma de promover a descentralização dos investimentos na cultura brasileira.
Muito embora a proposta do governo federal, ao criar um sistema público e transparente de critérios para o acesso aos recursos do FNC e para o incentivo fiscal, tenha agradado a muitos, uma parte do setor não compartilha a mesma opinião sobre a reformulação da “lei da cultura”.
Há quem sustente que a migração do dinheiro para um fundo central – o FNC –, gerido e controlado pelo Ministério da Cultura, poderá dar ensejo a favorecimentos indesejados. Argumenta-se, também, que a previsão de maior contrapartida empresarial, para fins de utilização do benefício fiscal, poderá dificultar ainda mais a captação no mercado.
Mesmo que se reconheça a pertinência dos alertas em relação a um certo risco de “dirigismo cultural”, não resta dúvida de que o texto da nova lei, além de mais dinâmico e abrangente, amplia e diversifica os acessos e critérios para a obtenção de fomentos culturais. Espera-se, assim, que a reformulação da Lei Rouanet efetivamente realize a sua ideia central de prestar mais opoio e propiciar maior difusão à diversidade cultural brasileira.