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Inovação na defesa de Direitos Sociais

Em busca de solução para o déficit de vagas nas creches paulistanas, entidades públicas, ONGs, especialistas e o Poder Judiciário testam um modelo de engenharia jurídica que poderá multiplicar-se pelo país

“O Judiciário não pode ser somente um fazedor de processos”, comentou a ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça, na abertura da Audiência Pública realizada nos dias 29 e 30 de agosto pela Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, para tratar do grave problema do déficit de vagas em creches na cidade de São Paulo.

Os aplausos efusivos e emocionados da plateia após a fala da ministra me fizeram voltar ao tempo em que a possibilidade da quebra do paradigma na defesa dos direitos sociais era quase uma utopia. Em meados de abril de 2012, fui convidada pelo advogado Rubens Naves para me somar à equipe da ONG Ação Educativa, que se dedicava a delinear estratégias de ação para solucionar o grave déficit de vagas em creches na capital paulistana.

Desde 2007, amontoam-se no Poder Judiciário centenas e centenas de ações voltadas para a tutela dos direitos de crianças não contempladas com vagas em creches, ajuizadas pela Defensoria Geral do Estado, pelo Ministério Público e pela sociedade civil. Apesar dessa verdadeira força-tarefa, de 2007 a 2012, o déficit de vagas em creches saltou de cerca de 88 mil para praticamente 150 mil, segundo dados da Secretaria Municipal de Educação.

As decisões em favor das famílias que recorriam à Justiça contra a falta de vagas limitavam-se, em sua grande maioria, à tutela individualizada ou coletiva do direito à educação infantil. O resultado prático se resumia a alterações na ordem de chamada nas listas de espera para atendimento nas creches. As sentenças apenas “furavam” a ordem cronológica de ingresso dos demandantes, o que não resolvia em absoluto o problema social em questão nem motivava o administrador a modificar sua cômoda posição omissiva. Esse era o quadro completo.

A pouca eficácia do padrão decisório até então adotado tinha origem no fato de que os litígios envolvendo direitos sociais – como é o caso do direito à educação infantil – continuavam a ser resolvidos pelo Poder Judiciário a partir da lógica clássica de solução dos conflitos bilaterais, segundo a qual bastava apontar o credor e o devedor, o lícito e o ilícito.

Uma nova visão

Constatada a ineficácia do modelo tradicional de litigância, a estratégia por mim sugerida, desde o início, foi uma radical reformulação da “engenharia jurídica” adotada na abordagem do problema.

Era preciso incorporar “ferramentas” e “estratégias” centradas mais nas especificidades dos direitos sociais. Isso porque os direitos sociais, categoria da qual o direito à educação é uma espécie, requerem a análise dos resultados alcançados pelas políticas implementadas pelo Poder Público e o seu monitoramento ao longo do tempo. Esses resultados, pelo que exige nossa Constituição Federal e os tratados internacionais de que o Brasil é parte, devem indicar avanços progressivos no grau de efetividade dos direitos sociais.

Disputas envolvendo direitos sociais, por não serem conflitos meramente bilaterais, exigem estratégias de atuação distintas, sendo mais eficazes a mediação e a negociação, à luz dos parâmetros legais existentes, para que a solução do problema posto seja viável na prática e não uma mera folha de papel inexequível.

Trata-se de olhar os litígios sob as lentes que lhe são próprias. Algo que a experiência internacional demonstra ser plenamente viável, uma vez que estratégias diferenciadas para solução de litígios relacionados a direitos sociais, a partir de um diálogo interinstitucional mediado pelo Poder Judiciário, têm sido adotadas com êxito em países com estrutura constitucional similar à brasileira, como Argentina e Colômbia.

Mais do que determinar a inclusão de uma ou de um grupo de crianças nos primeiros lugares nas filas de espera por uma vaga em creche ou pré-escola, como vinha sendo feito até então com o padrão de litigância usual, a natureza do conflito jurídico em questão requeria uma estratégia processual precedida de um diagnóstico amplo do problema. Algo que requereria a convocação de uma Audiência Pública com a participação de autoridades administrativas, atores do sistema de justiça, a sociedade civil, especialistas em educação, grupos e pessoas diretamente afetadas pelo problema. Esse fórum público e aberto propiciaria o início de um diálogo institucional sobre um plano de expansão, a ser implementado ao longo do tempo, sob o constante monitoramento do Poder Judiciário.

Iniciativa pioneira

Com receptividade a princípio tímida, a estratégia baseada em um diálogo interinstitucional foi pouco a pouco tomando corpo e força.

A partir dessa nova proposta de atuação, criou-se um grupo representativo de entidades e especialistas: a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, o Grupo de Atuação Especial em Educação do Ministério Público de São Paulo, o Grupo de Trabalho de Educação da Rede Nossa São Paulo, a ONG Ação Educativa e os escritórios associados de advocacia Rubens Naves, Santos Jr e Hesketh constituíram o Grupo de Trabalho Interinstitucional sobre Educação Infantil (GTIEI).

A própria articulação desse grupo revela a importância de um diálogo interinstitucional e do esforço conjunto entre os atores do sistema de justiça e a sociedade civil para a solução da questão.

Em abril de 2013, duas ações civis públicas, propostas entre 2008 e 2010, pela ONG Ação Educativa e outras organizações do Movimento Creches para Todos, entraram em pauta para julgamento pela Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. E, graças à receptividade do presidente da Seção de Direito Público do TJ-SP, desembargador Samuel Jr, à ideia de realizar a audiência pública como uma etapa prévia ao diálogo sobre o cronograma do plano de expansão, a primeira semente para a mudança de paradigma na defesa dos direitos sociais no Brasil começou a germinar.

Desatando o nó

“Os magistrados não podem funcionar como ilhas isoladas”, arrematou Eliana Calmon, em sua fala na abertura da Audiência Pública, em 29 de agosto, “já que, depois de dada a sentença, a responsabilidade é ainda maior: que ela seja exequível”.

Esse é o desafio da nova fase de conciliação que se iniciou no em 2 de setembro: acordar um cronograma para a execução do plano de expansão, apresentado pelo Poder Executivo – no caso, a Prefeitura de São Paulo –, tendo como objetivo central a abertura de mais 150 mil vagas públicas na rede de creches da cidade. Além da acelerada expansão da rede, está prevista a criação de um sistema de monitoramento, pelo Poder Judiciário, de sua execução, com a definição de metas e indicadores objetivos para mensuração constante, ao longo do processo. Medidas que deverão ser cumpridas pelo Poder Executivo. Caso contrário, caberá ao Judiciário exercer o seu poder de sanção.

O processo iniciado pelo Judiciário paulista aponta para um novo padrão decisório, que finalmente deve superar sua tradicional resistência a demandas que enfrentem o verdadeiro “nó” do problema e, se exitoso, poderá estimular um novo formato de atuação por todo o Brasil.

Não se trata, é bom esclarecer, antes que dúvidas nesse sentido possam surgir, de atribuir ao Judiciário funções que lhe são alheias (definição, planejamento, implementação e gestão de políticas públicas são atribuições exclusivas do Executivo), mas de chamá-lo a assumir verdadeiramente seu papel de guardião dos direitos consagrados na Constituição, atuando ao lado dos Poderes Executivo e Legislativo, como pontuou a ministra Eliana Calmon, “como parceiros para construir um Brasil melhor”.

Doutora em Direito do Estado pela PUC/SP; professora da graduação das Faculdades Integradas Rio Branco; sócia de Hesketh Advogados; autora dos livros Direitos Sociais – fundamentos, regime jurídico, implementação e aferição de resultados (Editora Saraiva, 2012) e Direitos Sociais: eficácia e acionabilidade à luz da Constituição de 1988 (Editora Juruá, 2005)

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