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Divisão de Águas

O saneamento básico é um serviço público de incontestável essencialidade. Apesar disso, até bem pouco tempo atrás, carecia de normatização, vivendo por muitos anos num vazio institucional.

Desde a década de 1970, quando foi implementado o Plano Nacional de Saneamento Básico (Planasa), o setor aguardava a edição de um marco regulatório no âmbito nacional que norteasse os estados e municípios na concepção de suas respectivas políticas públicas em matéria de saneamento.

Somente em 2007, após mais de três décadas de discussões para implantação desse marco, foi editada a Lei Federal nº 11.445, que estabeleceu diretrizes nacionais para o saneamento básico, posteriormente regulamentada pelo Decreto Federal nº 7.217/2010.

Com base no art. 21 da Constituição Federal, a Lei nº 11.445/07 estabeleceu diretrizes gerais para a uniformização das ações em todo o território nacional. O estabelecimento do marco regulatório nacional foi um importante avanço para o setor, mas, passados cinco anos desde a edição da lei, diversas questões importantes permanecem sem solução, especialmente no tocante às regiões metropolitanas, que exigem ações especiais e integradas. Muitas ações continuam obstadas por verdadeiros “nós” institucionais.

Disputa por titularidade

Um dos principais e mais antigos entraves ao desenvolvimento do saneamento nas regiões metropolitanas refere-se à definição da titularidade dos serviços: quem tem competência legislativa e executiva para o saneamento e pode, portanto, prestar diretamente os serviços ou delegar a prestação a terceiros.

Somente a Constituição Federal pode definir a competência de entes federativos para a prestação de serviços públicos. E, ao contrário do que ocorreu com vários outros serviços, a Constituição Federal vigente não estabeleceu de forma expressa a competência para os serviços de saneamento básico.

A partir de uma interpretação de diversos dispositivos constitucionais, como regra geral, a titularidade tem sido atribuída ao município, sob o fundamento de que o saneamento básico é, predominantemente, um serviço de interesse local. Contudo, persiste divergência quanto à titularidade em regiões metropolitanas, microrregiões e aglomerados urbanos, pois, em razão das inúmeras peculiaridades decorrentes da conurbação, não há como considerar os serviços de saneamento como sendo de interesse meramente municipal. A titularidade, por consequência, ficaria atribuída, nesses casos, ao poder público estadual (conforme art. 25 da Constituição Federal).

Essa discussão está, atualmente, sob a análise do Supremo Tribunal Federal, no bojo de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade.

Independentemente de seu desfecho, a disputa pela titularidade dos serviços se mostra vital pelo fato de que é o titular quem pode prestar diretamente os serviços ou autorizar a sua delegação, é quem define o responsável pela regulação e fiscalização, fixa parâmetros, direitos e deveres dos usuários, pode intervir e retomar a operação dos serviços delegados quando necessário.

Enquanto não estiver definida a titularidade, não há que se falar, portanto, em normatização específica, em eleição do ente regulador, nem em cumprimento das inúmeras obrigações estabelecidas no marco regulatório (como a elaboração de plano de saneamento e estudo de viabilidade técnica e econômico-financeira da prestação).

Diferenças negligenciadas

Além das dificuldades de ordem jurídico-institucional, algumas questões práticas têm se mostrado problemáticas. Uma delas decorre da própria definição legal de saneamento, que inclui abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos e drenagem.

Essa definição ampla, baseada muito mais no antigo conceito de saneamento ambiental, acabou agrupando quatro serviços muito distintos, seja no que se refere à forma de prestação (direta ou indireta), seja pela natureza de sua cobrança (tarifa ou taxa), bem como das peculiaridades próprias que devem nortear a atividade regulatória, tendo em vista que cada serviço exige normas e rotinas de fiscalização diferentes.

As agências reguladoras constituídas no País, em sua grande maioria, têm se dedicado apenas aos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, pouco tendo avançado quanto aos demais serviços legalmente inclusos no “saneamento”.

Outro grande problema, nas metrópoles, é a dificuldade de compatibilização, na prática, entre os preceitos legais atinentes à prestação dos serviços de saneamento básico e aqueles relativos aos recursos hídricos e à proteção ao meio ambiente. Muito embora totalmente integrada aos serviços de saneamento e de incontestável importância à perpetuação da vida e à proteção ao meio ambiente, a gestão dos recursos hídricos tem sua normatização própria, inclusive com competências distintas da prestação dos serviços em si.

Integração e planejamento

A Constituição Federal atribuiu o domínio das águas à União e aos estados, distribuindo entre esses entes federativos competências legislativas e político-administrativas relacionadas à água.

A lei estabeleceu que o uso da água está sujeito a outorga do poder público federal ou estadual, dependendo de serem águas federais ou estaduais, incluindo-se na expressão “uso” a captação ou derivação para abastecimento público e o lançamento de esgotos, tratados ou não, em corpo de água (mar, rio, canal, lago etc.).

No que diz respeito à proteção ao meio ambiente e ao controle da poluição, a Constituição atribuiu competência à União e aos estados, de forma concorrente, para legislarem sobre a matéria, ao passo que a competência político-administrativa coube aos dois entes mencionados e também aos municípios.

A vinculação direta dos serviços de saneamento com as políticas de proteção ambiental foi reafirmada, inclusive, em diversos trechos da Lei nº 11.445/2007, que chamou atenção para a necessidade de integração dos planos de saneamento com outros planos (referentes às bacias hidrográficas, por exemplo). Mas, na prática, isso nem sempre tem acontecido, muito embora deva ser encarada como obrigação legal, deficiência que, à luz da legislação, pode invalidar por completo o planejamento elaborado.

Como se vê, a prestação dos serviços de saneamento básico não deve nortear-se apenas por diretrizes traçadas em legislação própria, mas também deve observar toda a política nacional de recursos hídricos, com suas metas e planos, bem como as questões de ordem ambiental relacionadas.

Todos esses entraves jurídico-institucionais e de ordem prática comprometem um dos pilares para a adequada prestação dos serviços: o planejamento. Sem a superação dessas dificuldades, o planejamento das políticas públicas em matéria de saneamento – que deve nortear a prestação em si, assim como a atividade regulatória e fiscalizatória – continuará deficiente e insuficiente. Realidade que, diante da perspectiva global de agravamento da escassez de água, implica sérios riscos à população brasileira, especialmente aos habitantes de nossas populosas regiões metropolitanas.

Alessandra Ourique de Carvalho é advogada formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), atua há mais de dez anos no setor de saneamento básico.

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