Skip to content
Hesketh

Hesketh

  • LinkedIn
  • quem somos
  • áreas de atuação
  • corpo jurídico
  • práticas ESG
  • notícias
  • contato

Perspectiva Global: A adoção no contexto do direito internacional e dos direitos humanos

Muitos Estados adotam leis e práticas que não condizem com os parâmetros internacionais e regionais relativos à proteção das crianças e dos adolescentes

Em caso de carência de recursos materiais, cabe ao Estado prover o apoio necessário para resguardar o direito da criança de permanecer no seio familiar

Contavam-se 4.427 crianças e adolescentes aptas a serem adotadas no país, de acordo com o Cadastro Nacional de Adoção realizado em 2010. Por outro lado, havia 26.694 pessoas que poderiam recebê-las em seus lares. A discrepância entre esses números reside no fato de que a maioria das pessoas que buscam a adoção hoje procura um determinado perfil não condizente com as características das crianças que necessitam de uma nova família, quais sejam, crianças negras, com mais de 3 anos de idade e que possuem irmãos ou irmãs na mesma situação.

A proteção especial dos direitos das crianças é assegurada pela Constituição brasileira, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) e pela Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil em 1990. Tais instrumentos introduzem na cultura jurídica brasileira um novo paradigma, inspirado na concepção da criança como verdadeiro sujeito de direito, em condição peculiar de desenvolvimento. Sob essa perspectiva, fomenta-se a doutrina da proteção integral à criança, com uma lógica e um conjunto de princípios próprios voltados para assegurar a prevalência e a primazia do interesse superior da criança.

Ao tratar da adoção, a Convenção sobre os Direitos da Criança determina aos Estados que levem em consideração prioritariamente o interesse maior da criança. Adiciona ainda que o processo deve ser realizado em consonância com o peculiar estágio de desenvolvimento da criança e com as necessidades advindas da sua idade, respeitadas sua origem étnica, religiosa, cultural e linguística (artigos 20 e 21 da Convenção).

No preâmbulo da Convenção são destacados diversos documentos internacionais que compõem o arcabouço de proteção dos direitos humanos de crianças e, entre eles, em matéria de adoção nacional e internacional, a Declaração sobre os Princípios Sociais e Jurídicos Relativos à Proteção e ao Bem-Estar das Crianças, especialmente com Referência à Adoção e à Colocação em Lares de Adoção, nos Planos Nacional e Internacional, adotada pela Assembleia-Geral da ONU em 1986 (Resolução nº 41/85).

As diretrizes da ONU

Preocupada com a situação de abandono, violência, crises econômicas e naturais, conflitos armados que atingem crianças e as retiram de suas famílias em todo o mundo, esta Declaração visa traçar diretrizes mínimas que garantam a proteção e o cuidado da criança durante os processos de acolhimento em lares temporários e nos casos de adoção tanto nacional quanto internacional.

A Declaração consagra ser objetivo primordial da adoção a possibilidade de proporcionar uma família permanente à criança que não possa ser cuidada por seus próprios pais, nos termos do artigo 13. Disciplina, ademais, o processo de adoção, a fim de que, à luz de diversas possibilidades de adoção, seja selecionada aquela mais adequada às necessidades da criança.

A Declaração indica ainda que a lei nacional deverá garantir o reconhecimento da criança adotada como membro da família adotiva com todos os direitos a ela pertinentes (art. 16), com base na cláusula da igualdade e da proibição de discriminação. Essa mesma diretriz é endossada pelo Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, quando prevê a adoção de medidas especiais de proteção à criança, sem distinção em decorrência da sua filiação (art. 10.3).

Especificamente sobre a adoção internacional, a Declaração preconiza que essa modalidade deve ser considerada como último recurso, nos casos em que não for possível a colocação da criança em uma instituição de guarda ou sua adoção não for concretizada no âmbito nacional (artigo 17). Esta também é a orientação da Convenção sobre os Direitos da Criança, ao prever a possibilidade da adoção internacional na hipótese de a criança não poder ser destinada a um lar de adoção ou a uma família adotiva proveniente do seu país de origem (artigo 21, “b”).

Vale também lembrar que a adoção internacional está regulamentada pela Convenção de Haia Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, promulgada, no Brasil, pela Presidência da República, em 1999 (www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3087.htm).

Convenção Interamericana

No âmbito regional interamericano, a Convenção Americana de Direitos Humanos enuncia que “toda criança tem direito às medidas de proteção que sua condição de criança requer por parte da família, da sociedade e do Estado” (art. 19).

No mesmo sentido, o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador) reconhece a necessidade de um tratamento especial conferido aos indivíduos menores de 18 anos em virtude do seu estágio de desenvolvimento. Complementa o Protocolo a lista de direitos da criança, enfatizando que, independentemente da sua condição de filiação, a toda criança devem ser garantidas as medidas que as resguardem de violações de seus direitos (art. 16).

Com o objetivo de fixar parâmetros de proteção à criança relativos à adoção, dirimindo conflitos entre normas nacionais pertinentes à adoção, foi ainda adotada a Convenção Interamericana sobre Conflito de Leis em Matéria de Adoção de Menores, concluída em La Paz, Bolívia, em 24 de maio de 1984.

A despeito do sólido instrumental normativo que protege os direitos das crianças, inclusive no campo da adoção, muitas vezes observa-se que Estados adotam leis e práticas que não condizem com os parâmetros internacionais e regionais relativos à proteção das crianças e dos adolescentes.

Comissão questiona atuação estatal

De acordo com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a compreensão de crianças não como sujeitos titulares de direitos, mas como objeto de intervenção estatal implica a restrição de uma gama direitos fundamentais, entre os quais se destacam o direito à família. Tomando por base esta constatação, a Comissão realizou em 2002 uma consulta à Corte Interamericana, para que emitisse uma Opinião Consultiva sobre a interpretação dos artigos 8º e 25 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, que tratam das garantias dos direitos das crianças em processos administrativos, criminais e civis.

A Comissão solicitou que a Corte se manifestasse sobre alguns procedimentos conduzidos por Estados-partes, entre eles a separação de crianças de seus pais, fundamentada pela falta de recursos financeiros e a privação de liberdade, por meio da internação em instituições de custódia, quando a criança houver sido abandonada ou estiver em situação de risco e vulnerabilidade.

Durante esse processo a Corte requisitou informações a Estados-partes, bem como às organizações internacionais especializadas, as quais afirmaram que a falta de recursos materiais não poderia ser, isoladamente, causa a separar crianças de suas famílias originais. A internação de crianças em locais de guarda provisória – pelo fato de estarem em situação de vulnerabilidade social – não condiz com os princípios do melhor interesse da criança, no entender das organizações consultadas.

Esta posição da Corte está alinhada com o entendimento do Comitê sobre os Direitos da Criança, órgão de monitoramento criado pela Convenção sobre os Direitos da Criança, que no item 8 do seu Comentário Geral nº 5 esclareceu que “seja quais forem as suas circunstâncias econômicas, os Estados estão obrigados a adotar todas as medidas possíveis para dar efetividade aos direitos da criança, prestando especial atenção aos grupos mais desfavorecidos”. Isso significa que cabe ao Estado, em caso de falta ou carência de recursos materiais da família natural, assegurar a sua inclusão em programas oficiais de auxílio, de modo que seja resguardado o direito da criança de permanecer no seio familiar, o que, a propósito, no caso brasileiro, é resguardado pelo artigo 23 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Adoção como medida excepcional

Concluiu a Corte que as crianças devem ser mantidas e cuidadas por suas famílias originais, exceto se houver razões determinantes para separá-las, observado sempre seu melhor interesse. A Corte realçou que a separação deve ser excepcional e preferencialmente temporária, reafirmando o “propósito de consolidar no continente, dentro do quadro de instituições democráticas, um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos essenciais do ser humano” (2º parágrafo preambular do Protocolo de San Salvador).

Compreender as crianças como efetivos sujeitos de direito, observando-se os princípios de seu interesse primordial, de sua proteção integral, da igualdade e da proibição da discriminação, compõe o paradigma emancipatório a guiar a adoção como instituto a assegurar às crianças o direito fundamental ao respeito e à dignidade.

* Fabiana Leibl é graduada pela PUC-SP, advogada e assistente do projeto de Política Externa e Direitos Humanos da organização Conectas Direitos Humanos.

Flávia Piovesan é professora de Direito Constitucional e Direitos Humanos da PUC-SP, professora da PUC-PR, da Universidade Pablo de Olavide (Sevilha, Espanha) e da Universidade de Buenos Aires; visiting fellow do Human Rights Program da Harvard Law School (1995 e 2000), visiting fellow do Centre for Brazilian Studies da University of Oxford (2005), visiting fellow do Max Planck Institute for Comparative Public Law and International Law (Heidelberg – 2007 e 2008); Humboldt Foundation Georg Forster Research Fellow no Max Planck Institute (Heidelberg – 2009-2011); e membro do OAS Working Group para o monitoramento do Protocolo de San Salvador em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais.

Alessandra Gotti é advogada do escritório Rubens Naves – Santos Jr. – Hesketh. Mestre e doutora em Direito do Estado, na Subárea de Direito Constitucional, pela PUC/SP. Professora das Faculdades Integradas Rio Branco nas disciplinas de Direito Constitucional e Direitos Humanos.

Navegação de Post

< O desafio de acelerar garantindo direitos – “Reforma é positiva, mas insuficiente diante do tamanho do problema”
Destituição do Poder Parental: Objetivos e limites da tutela estatal sobre as famílias >
© Hesketh 2025 todos os direitos reservados.
Imagem criada por Paulo Bacellar Monteiro.
Termos e Condições de Uso do Site
tel +55 11 3186 8337    +55 11 99366 0214
  • LinkedIn