Previstos no PNDH-3, importantes avanços para a gestão pública e o controle social merecem atenção, debate e apoio
Com auxílio de critérios de equidade e indicadores, o Estado deve priorizar investimentos para a efetivação dos direitos sociais dos cidadãos
Como mencionado por Belisário Santos Jr. no artigo “Quem tem medo dos direitos humanos”, tem sido grande a polêmica e longos os debates na imprensa que sucederam o lançamento do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). Polêmicas e debates que, acrescente-se, deixaram à margem outras importantes questões.
Ao passo que um grande espaço foi dado às discussões sobre o aborto, à união civil entre pessoas do mesmo sexo, ao cumprimento de reintegrações de posse com pluralidade de réus e, em especial à constituição da Comissão Nacional da Verdade, nenhum destaque foi dado, por exemplo, ao aprimoramento dos mecanismos de controle social das políticas públicas de direitos humanos, garantindo o monitoramento e a transparência das ações governamentais.
Embora o PNDH-2 já previsse a criação de bancos de dados com indicadores sociais e econômicos sobre a situação dos direitos humanos para orientar a definição de políticas públicas relacionadas à redução da violência e da inclusão social (ação 5) e de mecanismos voltados à maior transparência da destinação e uso dos recursos públicos (ação 7), o PNDH-3 está mais afinado com a preocupação contemporânea quanto ao monitoramento do resultado das políticas públicas e a priorização de recursos, em especial dos direitos sociais.
O PNDH-3 recomenda aos Estados, Municípios e Distrito Federal que os direitos humanos sejam considerados como princípios orientadores de suas políticas públicas, o que deverá se ver refletido inclusive nos instrumentos de planejamento do Estado, em especial no Plano Plurianual (PPA), na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e na Lei Orçamentária Anual (LOA).
A preocupação orçamentária surge ainda no PNDH-3 como instrumento de alavancagem do processo de desenvolvimento nacional, adotando-se como estratégia o reforço do papel do Plano Plurianual (PPA) como instrumento de consolidação dos direitos humanos e de enfrentamento da concentração de riquezas e de promoção da inclusão da população de baixa renda. Para atingir essa meta recomenda aos Poderes Judiciário e Legislativo o estímulo do debate para revisão dos procedimentos adotados na etapa legislativa do processo orçamentário, possibilitando um maior envolvimento da sociedade nas discussões sobre as prioridades de uso dos recursos públicos.
É enfatizado o importante papel da peça orçamentária como fomentadora dos direitos humanos ao propor que a prevalência dos direitos humanos e os critérios de equidade sejam priorizados na avaliação da programação orçamentária de ação ou autorização de gastos, o que deverá ser devidamente observado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
No tocante ao monitoramento das políticas públicas, o PNDH-3 prevê não apenas a instituição de um sistema nacional de indicadores em Direitos Humanos de forma articulada com os órgãos públicos e a sociedade civil, mas contempla a hipótese de utilização de tais indicadores para mensurar demandas, monitorar, avaliar, reformular e propor ações efetivas.
O tratamento dado pelo PNDH-3 às estratégias de monitoramento e priorização de recursos está em sintonia não apenas com as discussões travadas no âmbito da ONU, nos diversos Comentários Gerais enunciados pelo Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, mas também no âmbito do sistema regional interamericano (OEA) que prevê a apresentação de relatórios pelos Estados-partes baseados em um sistema de “indicadores de progresso”.
Muito há que ser aprimorado no campo dos direitos econômicos, sociais e culturais, em especial no tocante ao monitoramento dos progressos e retrocessos no decorrer do processo de implementação, assim como à cobrança de efetivos resultados do Poder Público, com a participação inclusive dos Tribunais de Contas e do Poder Judiciário.
Há países do cone sul como a Colômbia e Argentina que já possuem um avançando sistema de monitoramento e fiscalização da adequação dos recursos empregados sobretudo para políticas públicas relacionadas aos direitos sociais, inclusive submetendo tais questões ao Poder Judiciário.
A título de ilustração, vale lembrar o paradigmático caso colombiano relacionado à sentença T-025/2004, da suprema corte daquele país, no qual foi feita uma ampla análise da política pública relacionada aos refugiados internos em razão da violência protagonizada pelas guerrilhas e dos grupos paramilitares, enfocando-se em especial a insuficiência dos recursos empregados e a potencialidade da política para progressivamente satisfazer os direitos das pessoas afetadas. Além da decisão judicial ter assegurado um procedimento democrático por meio da realização de audiências com as organizações representativas daquela população, ela inovou ao enfatizar a importância da adoção de metas e indicadores para a mensuração das políticas públicas como elemento essencial à análise de seus resultados e, por consequência, de sua adequação e eficiência.
Ainda que haja um longo caminho pela frente, o PNDH-3 dá, portanto, passos importantes em direção ao enfrentamento de questões extremamente relevantes, ao evidenciar a problemática do monitoramento dos resultados alcançados pelas políticas públicas e da priorização no aporte de recursos públicos.
A maior visibilidade desses pontos, a sua discussão pela sociedade e a cobrança efetiva de resultados das ações do Poder Público certamente contribuirão para a conquista de um Estado em que todos tenham o efetivo direito a usufruir seus direitos.